segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Um trago forte,
Uma fisgada no peito esquerdo

É a morte, com certeza.

Respirar fazia fisgar.
Mexer fazia fisgar.

Esperei sentir o sangue na boca
A dor que se irradiaria do pescoço às costas
O palpitar ardente
O ar que não chegaria até os pulmões infectados
O formigamento dos braços

Não fode.

É assim que eu vou morrer então?
Nem sequer consigo me preparar como uma arte renascentista.

O quê?

Eu vou morrer
E ainda me vêm pensamentos ridículos como esse.
Ou eu sou patética até na morte
Ou eu não estou morrendo.

Não estou?

O que significa isso, afinal de contas?

A luz.

Esqueci de tomar meu antidepressivo.

Achei estranho,
Dessa vez foi diferente.

Eu não tive medo da morte,
Eu aceitei.
Mesmo os sintomas ainda sendo tão reais

Eu não tive mais medo da morte,
Eu a via como amiga
Não como algo a se apavorar.

Talvez eu esteja curada,
Talvez seja a hora de parar

Mas se eu não me aterrorizo com a morte,
Com o quê eu vou me aterrorizar?

Qualquer outra coisa.

Afinal, é isso que nos faz viver. 
Talvez seja por isso que estou viva até agora.
E se eu parar de vez,
Talvez isso mude outra hora

Pode virar um amor.

Sim! 
Pode virar um amor. 
E o que será de mim se virar amor?

Eu

Talvez seja hora de parar de tomar,
Voltar a ter sentimentos
Voltar a chorar, transar, comer, gargalhar, sair...

Transar

Suicidar.
E se eu tentar me suicidar?
Eu não quero mais sentir aquilo,
Eu prometi que não ia voltar.

Essa não sou eu

Essa não sou eu.
Só se acalme.

São tantas emoções que as vezes eu só... 
Me perco.

Sabe...

Uma vez escrevi uma música onde eu falava 
"Isso está inundando quem eu sou".

Disseram pra mudar, porque não fazia sentido.

Mas fazia sentido quando eu acordava cedo pro trabalho,
Beijava minha filha ainda dormindo,
E passava o dia sem sentir absolutamente nada
Nem sequer vontade de estar ali

Existindo

Sobrevivendo dia após dia, vendo essas notícias infames nos noticiários
E se perguntando quando uma tragédia vai acontecer com você também.
Porque ela vai.
Todos possuem tragédias.

O pior era pensar que eu poderia ser a tragédia.

Me sentia inundada por dentro,
Todo o meu ser inundando em estado líquido.
Quando eu chorava, esvaziava.
Aí eu sentia a pior parte...

O vazio

No olhar, no corpo, dentro, fora... Tudo vazio.
Oco, sem nada
Sem vida, sem amor, sem vontade de viver.

Tragédias precisam ser vividas as vezes,
Pra que possamos tocar as pessoas de uma forma que elas se lembrem
E não deixem chegar a esse patamar.

Sempre subo uma escada pensando em ir ao terraço,
Ver aquela linda paisagem,
O céu, o ser humano em menor escala,
Seus tamanhos reais.

Não tenho nenhum medo,
Estarei sendo útil a sociedade e ao mundo
A se deixar cair e tirar da balança desequilibrada
Uma vida sem valor e sem graça

Só um passo a mais

Essa não sou eu
E talvez eu nunca vá saber como é superar esse vazio,
E sabe
Eu gosto de desafios.

Meu corpo gerou uma vida.

Eu vim de um corpo que gerou a minha vida.

Eu sou uma folha em uma árvore genealógica,
Donde a maior parte já se foi e foram substituídas.

Elas nascem, crescem...
Morrem.

Talvez renasçam.
Talvez se orgulhem por aquelas que estão lá.

Talvez se orgulhem de mim por eu ainda ter uma parte sã
Talvez elas sejam minhas raízes
Para que eu ainda seja fixa na terra
E celebre a vida

Como talvez nenhuma delas foi capaz.

Talvez.

Talvez seja melhor continuar com os antidepressivos.